Imuno-histoquímica: além da Hematoxilina-Eosina

De todos os procedimentos diagnósticos laboratoriais de rotina usados tanto na medicina humana quanto na veterinária, a tecnologia mais antiga é a interpretação histopatológica das biópsias. Muito pouco mudou ao longo dos anos no que tange ao processamento dos tecidos, coloração de rotina( Hematoxilina/Eosina) e especiais e a avaliação microscópica.  Recentemente técnicas de análise  molecular saíram dos laboratórios de pesquisa e  passaram a ser absorvidas pelos laboratórios de diagnóstico causando uma verdadeira revolução no diagnóstico histopatológico e este método chama-se imuno-histoquímica.

O exame imuno-histoquímico é um método de patologia molecular aplicado em tecidos fixados em formol e incluídos em parafina( biópsias, peças cirúrgicas e de necropsia) e  preparados citopatológicos(imuno-citoquímica).

Valendo-se da reação antígeno-anticorpo, utliza-se um anticorpo específico (primário) contra um  determinado antígeno  que se quer pesquisar, por exemplo  ceratina  presente nas células epitéliais .Esta  reação antígeno-anticorpo ocorrida no tecido é  ligada a  um complexo de visualização (complexo avidina-biotina-enzima-cromógeno ou polímero com amplificação)  que pode ser visualizada através do microscópio ótico comum. O precipitado, isto é, as áreas imunopositivas ficam coradas em marrom, pois o cromógeno mais utilizado é o DAB (diaminobenzidina) de cor marrom. As  demais áreas, imunonegativas, ficam coradas pela coloração de fundo. Existem no mercado diversos anticorpos primários para uso  no diagnóstico de doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas. No estudo das neoplasias não só auxilia a determinar a linhagem( imunofenotipagem) dos tumores pouco diferenciados, mas também pode revelar fatores preditivos e prognósticos de alguns tumores.

É uma técnica muito específica e sensível, permitindo correlacionar lesão com o antígeno no mesmo corte  histológico.

Abaixo um vídeo ilustrativo do método imuno-histoquímico.

Apesar da grande parte dos anticorpos   e painéis disponíveis serem para uso em humanos, sabemos que vários marcadores exibem reação cruzada com células animais, permitindo  o emprego da imuno-histoquímica na patologia veterinária.

Doenças infecciosas e neoplásicas são os principais usos em medicina veterinária.No que tange as neoplasias é empregado para definição diagnóstica, prognóstica e preditiva das respostas ao tratamento.

Diagnóstico de neoplasias pouco diferenciadas: algumas vezes não é possível determinar com precisão a origem do tumor no exame histopatológico de rotina. Como cada tipo de tumor tem uma evolução e tratamento diferentes, é importante  tentar definir o tipo do tumor  através da pesquisa de moléculas específicas para cada neoplasia. Em veterinária um exemplo clássico é o grupo dos  tumores de células redondas onde estão agrupadas lesões benignas como histiocitoma e plasmocitoma  ou malignas como melanoma amelanótico e linfomas, muitas vezes indistinguíveis umas das outras na rotina histopatológica.

Diagnóstico diferencial entre tumores e estados reacionais:  por vezes é difícil a distinção entre um processo inflamatório  ou reacional de um câncer como por exemplo proliferação benigna da mama X câncer,  inflamação  histiocitária Xhistiocitoma.

Determinação de fatores preditivos de neoplasias:

Proteínas podem ser expressas de forma alterada ou em grande quantidade pelas células tumorais.Estas alterações podem ter significado prognóstico em determinados tumores.

Alguns marcadores podem ser utilizados para identificar moléculas que servirão de alvos para tratamentos modernos.

Na medicina veterinária a diferenciação entre os linfomas B e T , ( os linfomas T são de pior prognóstico) , a presença  e o padrão de marcação do c-kit nos mastocitomas caninos e o percentual dos receptores de estrogênio e progesterona nos tumores de mama de cadelas estão relacionados ao prognóstico e comportamento da doença. Outro exemplos de marcadores prognósticos são a presença da oncoproteina p53 e o antígeno ki-67( índice de proliferação celular).

Determinação de micrometástases:

Metástases precoces podem passar desapercebidas no exame histopatológico.A imuno-histoquímica evidencia pequenos grupos ou células neoplásicas individualizadas nos sítios metastáticos como linfonodos.A identificação destas micrometástases aumentam as chances de sobrevida com a remoção cirúrgica da área afetada ou modificação do protocolo de tratamento.

Determinação do sítio primário da neoplasia

Pode acontecer da metástase ser descoberta antes do tumor primário. A imuno-histoquímica pode sugerir a linhagem e  o sítio primário mais provável auxiliando na escolha do tratamento mais adequado.

Diagnóstico de doenças infecciosas

Através da identificação de antígenos de agentes infecciosos , principalmente os vírus, como o citomegalovirus, herpesvirus….

Estes são os principais usos desta técnica.

O LabPath já  está disponibilizando painéis imuno-histoquímicos ou marcações específicas para o diagnóstico veterinário.Entre em contato conosco para maiores detalhes.

abraços

Ana Luisa

Notícias do consenso sobre Linfoma Multicêntrico Canino

Entre os dias 3 e 5 de maio participei do consenso clínico e patológico do linfoma multicêntrico canino  .

Uma iniciativa da ABROVET, estes consensos  têm como objetivo padronizar condutas clínicas e  anátomo-patológicas de determinadas patologias. O primeiro abordou os tumores mamários , o segundo  mastocitoma canino e este terceiro o linfoma multicêntrico canino.

Particularmente gosto da ideia dos consensos, pois neles temos a oportunidade de discutir de forma ampla e democrática nossas experiências e dificuldades não só entre colegas de várias partes do Brasil, mas entre especialidades.

Acho também importante uma certa padronização de condutas, pois só através delas é possível compararmos  os resultados obtidos, além de facilitar o entendimento entre as especialidades, principalmente entre os patologistas e demais especialidades clínicas.

Neste consenso no que tange a patologia os principais tópicos foram:

-Qual o melhor método para diagnóstico? citológico  X  anátomo-patológico?

Ficou estabelecido que a preferência deve ser dada ao histopatológico com a retirada de um linfonodo inteiro, pois permite a avaliação não só da citologia tumoral mas da arquitetura, importante para o diagnóstico de tumores foliculares.

A citologia  pode ser uma opção quando o estado de saúde do animal não permitir a cirurgia, ou quando o proprietário se recusar a autorizar o procedimento da biópsia.Quanto ao método de fixação dos esfregaços pode ser no ar quando usaremos corantes hematológicos, que não permitem detalhamento nuclear. Ou no álcool 70 , mergulhando a lâmina imediatamente neste álcool, sem deixar secar no ar.Os esfregaços devem ser enviados ao laboratório imersos no álcool.As lâminas assim fixadas permitem outras colorações como o papanicolau com melhor visualização nuclear e também a realização da imunocitoquímica. Eu, particularmente sempre prefiro lâminas fixadas no álcool.

Existe importância prognóstica em separar os linfomas em B ou T, isto é imunofenotipar?

Também foi consenso que os linfomas se comportam de forma diferente, sendo os linfomas T mais agressivos e de pior prognóstico e que provavelmente necessitem de um esquema terapêutico diferenciado

A separação , isto é,  a imunofenotipagem, não é possível através do exame microscópico comum e sim através de métodos moleculares como a imuno-histoquímica ou PCR( em breve farei um post sobre estas técnicas).Serão usados minimamente três anticorpos, o CD3 para identificar os linfomas T, o CD79a para identificar os linfomas B e  um marcador de proliferação celular como o Ki-67 para avaliar o índice de proliferação celular do linfoma. Esta técnica é realizada no mesmo material obtido pela biópsia, no bloco de parafina.

– Padronização dos laudos anátomo-patológicos e citológicos:

Também ficou acordado que o sistema de classificação a ser adotado é o de Kiel e  simultaneamente o da WHO quando possível a imunofenotipagem.

Quanto ao exame citopatológico deve ser referido o tamanho da célula, isto é , de grande intermediário ou pequenas células. A classificação de Kiel pode vir como uma sugestão em forma de nota.

Também foram abordadas a necessidade do estadiamento clínico , a  importância do exame da medula óssea para o estadiamento, critérios de remissão e recidiva com a mensuração constante e padronizadas dos linfonodos por paquímetro, exames de seguimento de patologia clínica e imagem e protocolos de tratamento.

Nós do LabPath estamos nos preparando para oferecer a imunofenotipagem dos linfomas caninos e felinos pelo método da imuno-histoquímica e  provavelmente em junho já o estaremos realizando. No momento existem dois laboratórios em São Paulo com a técnica implantada : o Vetpat e o Vetmol.

Eu pessoalmente acredito ser imprescindível começarmos a imunofenotipar os linfomas em T ou B . Só poderemos tratar corretamente os linfomas se conhecermos a doença e o conhecimento dos linfomas obrigatoriamente passa pela patologia molecular.

 

Ana Luisa

 

 

Mastocitoma canino: sistemas de classificação histopatológica

 

O mastocitoma é umas das neoplasias  cutâneas mais comuns do cão, correspondendo em alguns estudos  a cerca de 20% de todas as neoplasias cutâneas no cão. O comportamento biológico é variável, podendo ocorrer como pequenas lesões localizadas que são curadas pela excisão completa até  neoplasias malignas fatais de comportamento agressivo com metástases generalizadas. O diagnóstico de mastocitoma pode ser  obtido através da citologia mas a  histopatologia é o método de escolha para a graduação dos tumores. Existem  alguns sistemas de graduação em uso.O sistema mais amplamente empregado é o Patnaik, onde as lesões de baixo grau são grau I e as mais malignas são graduadas como III. Este sistema tem mostrado problemas na classificação , não separando claramente as lesões de acordo com seu potencial maligno .

Muitos estudos estão sendo desenvolvidos  na tentativa de definição dos melhores critérios diagnósticos e prognósticos para os mastocitomas caninos,  e o índice mitótico tem sido um marcador prognóstico confiável .Vários índices mitóticos foram propostos como  cut-off,  a maioria  girando em torno de um índice entre 5-7 mitoses por 10 campos de grande aumento(CGA).

Recentemente  foi publicado um  estudo multiinstitucional  envolvendo 28 patologistas veterinários sobre graduação e evolução clínica dos mastocitomas caninos .Neste estudo observou-se uma concordância  de classificação de 75% entre os patologistas para os mastocitomas grau III.Esta concordância foi menor que 64% para os de grau I e II, com significativa variação entre observador Notou-se também uma tendência dos patologistas a classificar com maior frequência o grau II,  grau  intermediário de pouco valor prognostico para o clínico.A partir destes dados ,  foi proposto um outro sistema de graduação de  apenas duas categorias, baixo e alto grau, para separar claramente as lesões   de menor  das de maior potencial maligno. Além dos critérios qualitativos do sistema de Patnaik, pela primeira vez foram estabelecidos critérios quantitativos para um tumor ser classificado como de alto grau:

-7 ou mais mitose/10 CGA;

-3 ou mais células multinucleadas/10 CGA

-3 ou mais núcleos bizarros/10 CGA

-Cariomegalia ( 10% dos núcleos  em pelo menos 2 campos)

A lesão deve ser avaliada nos campos de maior atipia e índice mitótico

Com este novo sistema, as lesões malignas foram separadas claramente das de baixo potencial maligno.Neste estudo os tumores de alto grau estão  associados a metástases precoces e desenvolvimento de novos tumores com sobrevida média de 4 meses ou menos enquanto que nos de baixo grau a sobrevida   é de 2 anos ou mais.

O LabPath, , em concordância com o “ I Consenso clínico, cirúrgico e patológico sobre mastocitomas caninos “, realizado pela UNESP, campus de Jaboticabal em 2012,passou  a adotar os dois sistemas de graduação para os mastocitomas caninos, o de Patnaik com graus de 1 a 3 e o novo sistema designado como de Kiupel por ser o nome do autor principal. O tempo irá dizer se este novo sistema será aceito e se será útil como uma ferramenta diagnóstica e prognóstica.

 

Ref: . Proposal of a 2-tier histologic grading system for canine cutaneous mast cell tumors to more accurately predict biological behavior. Kiupel M, Webster JD, Bailey KL, Best S, DeLay J, Detrisac CJ, Fitzgerald SD, Gamble D, Ginn PE, Goldschmidt MH, Hendrick MJ, Howerth EW, Janovitz EB, Langohr I et al. Vet Pathol. 2011 Jan;48(1):147-55.